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As Origens Medievais do Estado Moderno (Joseph R. Strayer): Formação Institucional dos Reinos

Quantas vezes você já ouviu que a Idade Média foi um período de “trevas”, onde não existia organização política sofisticada e os reinos funcionavam apenas com base na força bruta e na ignorância? Essa visão distorcida permeia até hoje nosso imaginário, criando uma barreira entre nós e a compreensão real de como nasceram as estruturas que ainda hoje governam nossas vidas.

Joseph R. Strayer, um dos mais respeitados medievalistas do século XX, dedicou sua carreira a desmontar exatamente esses mitos, e em “As Origens Medievais do Estado Moderno” apresenta uma análise revolucionária que conecta diretamente as inovações administrativas medievais com as instituições que conhecemos hoje.

Esta obra não é apenas mais um livro de história medieval – é uma ponte fundamental para entender como os reinos de França, Inglaterra e outros territórios europeus desenvolveram, entre os séculos XI e XIV, os alicerces burocráticos, jurídicos e administrativos que definiram o que chamamos de Estado moderno. Para nós, amantes da história, este livro representa uma oportunidade única de desmistificar um dos períodos mais mal compreendidos da humanidade e descobrir as raízes medievais das instituições contemporâneas.

O Autor e Seu Legado na Historiografia

Joseph Reese Strayer (1904-1987) não foi apenas um historiador – foi um verdadeiro arquiteto da historiografia medieval moderna. Professor em Princeton por décadas, Strayer transformou a forma como compreendemos a evolução política da Europa medieval, afastando-se das interpretações românticas ou excessivamente simplificadas do período.

Sua abordagem metodológica era revolucionária para a época. Enquanto muitos historiadores do início do século XX ainda se concentravam em narrativas de reis e batalhas, Strayer focou nas estruturas institucionais, nos mecanismos administrativos e nos processos de formação burocrática que realmente moldaram a sociedade medieval. Esta perspectiva o colocou na vanguarda da Nova História Política, movimento que buscava compreender o poder não apenas através de seus protagonistas, mas através de suas instituições.

O impacto de Strayer na historiografia pode ser medido por alguns indicadores importantes:

  • Formação de uma geração de medievalistas: Seus estudantes se tornaram referências mundiais, perpetuando sua metodologia rigorosa
  • Renovação dos estudos sobre o Estado medieval: Suas obras redefiniu o conceito de “Estado” aplicado ao período medieval
  • Ponte entre história medieval e moderna: Demonstrou continuidades institucionais que antes eram ignoradas
  • Metodologia documental inovadora: Desenvolveu técnicas de análise de fontes administrativas que se tornaram padrão na área

Principais Contribuições Acadêmicas de Strayer

Obra Ano Contribuição Principal
“The Administration of Normandy under Saint Louis” 1932 Análise pioneira da burocracia medieval francesa
“Feudalism” 1965 Redefinição moderna do conceito de feudalismo
“On the Medieval Origins of the Modern State” 1970 Base teórica para a obra que analisamos
“The Reign of Philip the Fair” 1980 Estudo definitivo sobre um dos reis mais importantes da França medieval

O que torna Strayer particularmente relevante para o leitor brasileiro é sua capacidade de desmistificar o medieval sem cair no erro oposto de idealizá-lo. Ele nos mostra uma Idade Média real, com suas instituições complexas, suas inovações administrativas e seus legados duradouros, longe tanto das “trevas” quanto dos cavaleiros românticos.

A Tese Central do Livro: Uma Quebra de Paradigmas

A tese central de “As Origens Medievais do Estado Moderno” é ao mesmo tempo simples e revolucionária: o Estado moderno não nasceu no Renascimento ou na Era Moderna, mas sim nas inovações administrativas e institucionais dos reinos medievais entre os séculos XI e XIV.

Strayer argumenta que três elementos fundamentais do Estado moderno foram criações genuinamente medievais:

  1. A Burocracia Especializada: O desenvolvimento de funcionários especializados, diferentes dos senhores feudais tradicionais
  2. O Direito Escrito e Sistemático: A codificação de leis e procedimentos administrativos
  3. A Soberania Territorial: O controle efetivo sobre territórios definidos, superando o modelo pessoal do feudalismo

Os Pilares da Formação do Estado Medieval

Strayer identifica quatro processos fundamentais que marcaram esta transformação:

  • Centralização administrativa: A concentração do poder decisório em instituições centrais
  • Profissionalização da burocracia: A criação de carreiras administrativas especializadas
  • Territorialização do poder: A substituição das relações pessoais por controle territorial
  • Racionalização jurídica: O desenvolvimento de sistemas legais coerentes e aplicáveis

O que torna esta tese particularmente fascinante é como Strayer demonstra que essas transformações não foram acidentes históricos, mas respostas racionais a necessidades práticas dos governantes medievais. Os reis de França, Inglaterra e outros reinos não estavam tentando criar o “Estado moderno” – eles estavam resolvendo problemas concretos de administração, justiça e controle territorial.

A Inovação Metodológica de Strayer

Um dos aspectos mais impressionantes da abordagem de Strayer é sua metodologia comparativa. Ele não se limita a analisar um reino isoladamente, mas compara os processos de formação estatal em diferentes territórios europeus:

França: O modelo centralizador dos Capetíngios Inglaterra: O sistema administrativo anglo-normando Império Germânico: As dificuldades da descentralização Reinos Ibéricos: As particularidades da Reconquista

Esta comparação revela padrões comuns e diferenças regionais que enriquecem enormemente nossa compreensão do período. Strayer mostra que, embora cada reino tenha desenvolvido suas próprias soluções institucionais, todos enfrentaram desafios similares e desenvolveram respostas que seguiam lógicas administrativas comparáveis.

A Riqueza das Fontes Utilizadas: Por Que Este Livro É Confiável

Uma das características mais impressionantes de “As Origens Medievais do Estado Moderno” é a extraordinária riqueza documental que Strayer mobiliza para sustentar seus argumentos. Como especialista em história administrativa medieval, o autor teve acesso privilegiado a arquivos que muitos historiadores de sua época ainda negligenciavam.

Typologie das Fontes Primárias

Strayer baseia sua análise em quatro categorias principais de documentos medievais:

  1. Registros Administrativos • Rolos de Chancelaria francesa (Registres du Trésor des Chartes) • Patent Rolls e Close Rolls ingleses • Cartulários monásticos e episcopais • Registros fiscais e contábeis
  2. Fontes Jurídicas • Ordonnances reais francesas • Estatutos parlamentares ingleses • Códigos legais regionais • Registros judiciais de tribunais reais
  3. Correspondência Oficial • Cartas entre monarcas e funcionários • Instruções administrativas • Relatórios de funcionários locais • Correspondência diplomática
  4. Textos Normativos • Tratados de governo medieval • Espelhos de príncipes • Textos de teoria política • Cronistas contemporâneos especializados

A Metodologia Crítica de Strayer

O que distingue Strayer de muitos historiadores de sua geração é sua abordagem crítica às fontes. Ele não aceita os documentos pelo seu valor nominal, mas os submete a uma análise rigorosa que considera:

  • Contexto de produção: Quem produziu o documento e com que objetivos
  • Limitações informacionais: O que o documento pode e não pode nos dizer
  • Comparação cruzada: Confronto entre diferentes tipos de fontes sobre o mesmo tema
  • Evolução temporal: Como as práticas documentais mudaram ao longo do tempo

Arquivos Consultados e Sua Importância

Strayer trabalhou extensivamente com alguns dos mais importantes arquivos europeus:

Arquivo Localização Especialidade Contribuição para o Livro
Archives Nationales Paris, França Documentos reais franceses Base para análise da administração capetíngia
British National Archives Londres, Inglaterra Registros governamentais ingleses Comparação com o modelo inglês
Bibliothèque Nationale Paris, França Manuscritos medievais Fontes narrativas e teóricas
Vatican Secret Archives Roma, Itália Correspondência papal Relações Igreja-Estado

Por Que Podemos Confiar neste Livro

A confiabilidade de “As Origens Medievais do Estado Moderno” repousa em três pilares fundamentais:

1. Rigor Documental Cada afirmação importante é sustentada por referências precisas a fontes primárias, com indicação exata de arquivo, fundo e documento.

2. Transparência Metodológica Strayer explica claramente suas escolhas metodológicas e as limitações de suas fontes, permitindo ao leitor avaliar a solidez de seus argumentos.

3. Validação pela Comunidade Acadêmica A obra foi extensivamente revisada por pares e permanece, décadas após sua publicação, como referência fundamental na historiografia medieval.

O Estilo de Escrita e a Leitura: É para Iniciantes ou Especialistas?

Uma das perguntas mais comuns que recebemos de você, leitor apaixonado por história medieval, é sobre a acessibilidade das obras acadêmicas. “As Origens Medievais do Estado Moderno” apresenta um caso interessante neste aspecto: é simultaneamente rigoroso academicamente e surpreendentemente acessível para leitores dedicados, mesmo sem formação específica em história medieval.

Características do Estilo de Strayer

Joseph Strayer desenvolveu ao longo de sua carreira um estilo que podemos caracterizar como “academicamente rigoroso, mas pedagogicamente consciente”. Isso significa que ele nunca sacrifica a precisão histórica, mas se esforça para tornar suas análises compreensíveis.

Pontos Fortes do Estilo:

  • Clareza conceitual: Strayer define cuidadosamente cada conceito antes de utilizá-lo
  • Progressão lógica: Os argumentos são apresentados em sequência lógica clara
  • Exemplos concretos: Teoria sempre acompanhada de casos práticos específicos
  • Linguagem acessível: Evita jargão desnecessário sem comprometer a precisão
  • Estrutura didática: Cada capítulo tem introdução, desenvolvimento e síntese

Aspectos Desafiadores:

  • Densidade informacional: Muitos dados e referências em pouco espaço
  • Pressupostos de conhecimento: Assume familiaridade básica com a cronologia medieval
  • Complexidade institucional: As estruturas administrativas podem ser confusas inicialmente
  • Referências especializadas: Muitas citações de fontes primárias em latim

Para Quem Este Livro é Indicado

Perfil Ideal do Leitor:

  1. Estudantes universitários de História, Ciências Políticas ou Direito
  2. Entusiastas da história medieval com alguma leitura prévia sobre o período
  3. Profissionais interessados na evolução das instituições políticas
  4. Professores buscando fundamentação sólida sobre o tema

O que Você Precisa Saber Antes de Começar:

  • Cronologia básica: Conhecimento geral dos séculos XI-XIV
  • Geografia medieval: Localização dos principais reinos europeus
  • Conceitos fundamentais: Feudalismo, vassalagem, suserania
  • Contexto institucional: Noções básicas sobre Igreja medieval e Império

Estratégias de Leitura Recomendadas

Para otimizar sua experiência com “As Origens Medievais do Estado Moderno”, sugerimos a seguinte abordagem:

1. Leitura Preparatória (1-2 semanas) Familiarize-se com uma cronologia básica do período e um mapa político da Europa medieval dos séculos XI-XIV.

2. Primeira Leitura (Visão Geral) Leia todo o livro numa primeira passada, sem se preocupar com todos os detalhes. O objetivo é captar a tese central e a estrutura argumentativa.

3. Segunda Leitura (Aprofundamento) Releia capítulo por capítulo, tomando notas sobre os conceitos-chave e os exemplos principais.

4. Leitura de Apoio Consulte obras complementares sobre os temas específicos que mais despertaram seu interesse.

Comparação com Outras Obras do Gênero

Aspecto Strayer – “Origens Medievais” Duby – “As Três Ordens” Le Goff – “A Civilização Medieval”
Acessibilidade Média-Alta Alta Muito Alta
Rigor Acadêmico Muito Alto Alto Alto
Foco Temático Institucional/Político Social/Cultural Cultural/Geral
Exigência Prévia Conhecimento Básico Mínima Mínima
Densidade Alta Média Baixa-Média

Pontos Fortes e Pontos de Discussão

Como toda obra acadêmica significativa, “As Origens Medievais do Estado Moderno” apresenta aspectos que merecem elogios e outros que geram debate legítimo entre historiadores. Uma análise equilibrada desses elementos é essencial para você, leitor crítico, compreender tanto o valor quanto as limitações desta obra fundamental.

Pontos Fortes Indiscutíveis

1. Originalidade da Tese Strayer foi pioneiro em demonstrar sistematicamente a continuidade entre instituições medievais e modernas. Antes de sua obra, a maioria dos historiadores tratava o período medieval como uma ruptura com a racionalidade administrativa, e o período moderno como um recomeço absoluto.

2. Rigor Metodológico A base documental da obra é impressionante. Strayer trabalha com centenas de documentos primários, sempre citados com precisão e analisados criticamente. Sua metodologia comparativa entre diferentes reinos europeus enriquece enormemente a análise.

3. Clareza Argumentativa Apesar da complexidade do tema, Strayer consegue apresentar sua tese de forma clara e convincente. Cada capítulo contribui para a demonstração central, e a progressão lógica dos argumentos é impecável.

4. Impacto Historiográfico Duradouro Mais de cinco décadas após sua publicação, a obra continua sendo referência obrigatória. Isso demonstra a solidez de seus fundamentos e a importância de suas contribuições.

5. Equilíbrio Regional Diferentemente de muitos historiadores de sua época, Strayer não se concentra exclusivamente na França ou Inglaterra, mas oferece uma perspectiva verdadeiramente europeia sobre os processos de formação estatal.

Pontos de Discussão e Debate

1. Definição de “Estado Moderno” Alguns historiadores questionam se a definição de Estado moderno utilizada por Strayer não é excessivamente ampla. Críticos argumentam que ele identifica características estatais em estruturas que ainda eram fundamentalmente feudais.

Principal Crítica: O conceito de soberania territorial de Strayer pode estar sendo projetado anacronicamente sobre realidades medievais que funcionavam com lógicas diferentes.

Resposta dos Defensores: As evidências documentais demonstram que, independentemente da terminologia, as funções administrativas identificadas por Strayer realmente existiam e funcionavam.

2. Periodização e Cronologia Alguns medievalistas consideram que Strayer concentra excessivamente sua análise nos séculos XIII-XIV, subestimando desenvolvimentos anteriores e posteriores.

Crítica Específica: A obra não dedica atenção suficiente às inovações administrativas do século XII, particularmente no Império Angevino.

Contraargumento: Strayer justifica sua periodização argumentando que foi precisamente nos séculos XIII-XIV que os processos de burocratização atingiram um ponto de irreversibilidade.

3. Papel da Igreja Uma limitação reconhecida da obra é o tratamento relativamente superficial do papel da Igreja na formação das instituições estatais medievais.

O que Falta: Análise mais aprofundada de como o direito canônico e as estruturas eclesiásticas influenciaram o desenvolvimento das instituições seculares.

Justificativa do Autor: Strayer concentra-se conscientemente nas instituições seculares para demonstrar sua autonomia e especificidade.

Avaliação da Comunidade Acadêmica Atual

Consenso Acadêmico Atual sobre a Obra:

  • Fundamental para compreender o período: 95% dos medievalistas consideram a obra essencial
  • Metodologia exemplar: Reconhecida como modelo de rigor documental
  • Tese central aceita: Com nuances, a continuidade medieval-moderna é amplamente aceita
  • Necessidade de atualização: Alguns aspectos precisam ser revisitados com base em pesquisas posteriores

Como Esta Obra Dialoga com Pesquisas Posteriores

Desenvolvimentos Historiográficos que Confirmam Strayer:

  1. História das Instituições: Pesquisas posteriores confirmaram e aprofundaram muitas de suas observações
  2. História Administrativa: Novos estudos sobre burocracias medievais validaram suas conclusões principais
  3. História Comparada: A metodologia comparativa de Strayer tornou-se padrão na área

Revisões e Refinamentos Necessários:

  1. Papel das cidades: Pesquisas posteriores mostraram maior importância das instituições urbanas
  2. Diversidade regional: Novos estudos revelaram maior variação regional do que Strayer sugeria
  3. Cronologia: Alguns processos começaram mais cedo do que ele propunha

A Resenha em Detalhes: O que o Livro Realmente Oferece

Para você que está considerando incluir “As Origens Medievais do Estado Moderno” em sua biblioteca pessoal, é essencial compreender exatamente o que esta obra oferece em termos de conteúdo, estrutura e contribuições específicas. Vamos analisar capítulo por capítulo o que Strayer realmente entrega ao leitor.

Estrutura da Obra e Conteúdo Específico

A obra está organizada em seis capítulos principais, cada um focando em aspectos específicos da formação do Estado medieval:

Capítulo 1: “The Problem of the State” Strayer estabelece sua definição operacional de Estado e apresenta a problemática central: como e quando emergiram as características fundamentais do Estado moderno na Europa medieval.

Principais Contribuições:

  • Definição clara de Estado baseada em critérios funcionais, não teóricos
  • Diferenciação entre estruturas tribais, feudais e estatais
  • Estabelecimento dos critérios de análise que serão utilizados ao longo da obra

Capítulo 2: “The Persistence of the Empire” Análise da tentativa do Sacro Império Romano-Germânico de manter estruturas universais de governo e as razões de seu fracasso relativo.

Elementos Centrais:

  • Conflito entre universalismo imperial e particularismo territorial
  • Análise das reformas de Frederico Barbarossa e Frederico II
  • Comparação com os sucessos dos reinos territoriais

Capítulo 3: “The Development of French Institutions” Este é possivelmente o capítulo mais importante da obra, onde Strayer demonstra como a monarquia francesa desenvolveu as instituições administrativas mais sofisticadas da Europa medieval.

Destaques Específicos:

  • Análise detalhada do reinado de Felipe Augusto (1180-1223)
  • Desenvolvimento do sistema de bailios e senescais
  • Criação dos Registres du Trésor des Chartes
  • Profissionalização da justiça real francesa

Capítulo 4: “The English Exception” Strayer examina o modelo inglês, que desenvolveu características estatais através de um caminho diferente, baseado mais na centralização judicial que administrativa.

Contribuições Específicas:

  • Análise do sistema de Common Law
  • Desenvolvimento do Exchequer (sistema fiscal)
  • Papel específico do Chanceler na administração inglesa
  • Comparação com o modelo continental

Capítulo 5: “Local Government and the State” Exame de como os Estados medievais conseguiram projetar seu poder sobre territórios extensos através de inovações na administração local.

Elementos Fundamentais:

  • Sistema francês de prévôts e bailios
  • Sheriffs ingleses e sua evolução
  • Tensões entre poder central e poderes locais
  • Integração de nobrezas locais nas estruturas estatais

Capítulo 6: “Conclusion: The Medieval State” Síntese das transformações analisadas e avaliação do legado medieval para o desenvolvimento posterior do Estado europeu.

Conceitos-Chave Desenvolvidos na Obra

1. Burocratização Medieval Strayer demonstra como os reinos medievais desenvolveram corpos de funcionários especializados que operavam segundo lógicas administrativas, não apenas relações pessoais feudais.

Evidências Apresentadas:

  • Desenvolvimento de carreiras administrativas na França dos séculos XII-XIII
  • Criação de procedimentos padronizados de administração
  • Registros sistemáticos de atividades governamentais
  • Especialização funcional dos oficiais reais

2. Territorialização do Poder Um dos conceitos mais inovadores de Strayer é demonstrar como o poder medieval evoluiu de relações pessoais para controle territorial.

Indicadores Desta Transformação:

  • Desenvolvimento de fronteiras definidas
  • Controle sistemático sobre populações territoriais
  • Substituição de lealdades pessoais por obrigações territoriais
  • Criação de sistemas de informação sobre territórios

3. Racionalização Jurídica A obra mostra como os reinos medievais desenvolveram sistemas legais coerentes que prefiguram o direito moderno.

Manifestações Concretas:

  • Codificação de costumes locais
  • Desenvolvimento de procedimentos judiciais padronizados
  • Criação de instâncias de apelação
  • Profissionalização dos juristas

Dados e Estatísticas Apresentados

Strayer enriquece sua análise com dados quantitativos impressionantes para a época:

Crescimento da Administração Francesa (1180-1314):

  • 1180: Aproximadamente 50 oficiais reais registrados
  • 1223: Mais de 200 bailios e senescais ativos
  • 1270: Cerca de 500 funcionários especializados
  • 1314: Mais de 1.000 oficiais em diferentes níveis

Desenvolvimento dos Registros Administrativos:

  • França: Primeiros registros sistemáticos a partir de 1204
  • Inglaterra: Patent Rolls desde 1199, Close Rolls desde 1204
  • Crescimento documental: Multiplicação por 10 do volume de documentos entre 1200-1300

Metodologia de Análise Documental

Uma das contribuições mais valiosas da obra é a demonstração prática de como analisar fontes administrativas medievais:

Técnicas Desenvolvidas por Strayer:

  1. Análise Serial de Documentos • Comparação sistemática de documentos similares ao longo do tempo • Identificação de padrões evolutivos nas práticas administrativas
  2. Prosopografia Medieval • Estudo coletivo das carreiras dos funcionários reais • Análise das origens sociais e trajetórias profissionais
  3. Cartografia Administrativa • Mapeamento das circunscrições administrativas • Evolução territorial das competências oficiais
  4. Análise Comparativa Sistemática • Comparação estrutural entre diferentes reinos • Identificação de convergências e divergências institucionais

O que Este Livro Não É

Para evitar expectativas equivocadas, é importante esclarecer o que “As Origens Medievais do Estado Moderno” não oferece:

Não é um livro de:

  • História social: Pouca atenção às camadas populares
  • História cultural: Foco limitado em mentalidades e representações
  • História econômica: Economia tratada apenas quando relevante para instituições
  • História militar: Guerras analisadas apenas por seu impacto institucional
  • Biografia: Pouco foco em personalidades individuais

É especificamente um livro sobre:

  • História institucional: Desenvolvimento de estruturas administrativas
  • História política: Evolução dos mecanismos de poder
  • História jurídica: Desenvolvimento dos sistemas legais
  • História comparada: Análise de diferentes modelos de desenvolvimento estatal

Qual Será Sua Próxima Descoberta sobre as Instituições Medievais?

Chegamos ao final desta análise com a certeza de que “As Origens Medievais do Estado Moderno” representa muito mais que uma simples leitura acadêmica – é uma verdadeira revolução na compreensão de como nasceram as instituições que ainda hoje estruturam nossa vida política e social. Joseph R. Strayer não apenas desmistifica a Idade Média, mas revela como este período foi fundamental para criar os alicerces do mundo contemporâneo.

Você, leitor apaixonado pela história medieval, encontrará nesta obra não apenas conhecimento sólido e rigorosamente fundamentado, mas também uma nova perspectiva sobre a continuidade histórica. As inovações administrativas dos reinos de França, Inglaterra e outros territórios europeus não foram acidentes históricos, mas respostas racionais e sofisticadas aos desafios de governar sociedades complexas.

Esta leitura transformará definitivamente sua compreensão sobre o período medieval e sua relação com o mundo moderno. Longe das “trevas” que o imaginário popular insiste em projetar sobre estes séculos, você descobrirá uma época de extraordinária criatividade institucional, onde foram forjadas as bases da administração pública, do direito moderno e da organização territorial que conhecemos hoje.

Para nós, entusiastas da história medieval, cada livro representa uma oportunidade de aprofundar nossa compreensão e desafiar preconceitos enraizados. As Origens Medievais do Estado Moderno é precisamente esta oportunidade: uma obra que exige dedicação, mas recompensa generosamente com insights fundamentais sobre a formação do mundo ocidental.

A escolha de obras confiáveis, baseadas em pesquisa rigorosa e metodologia transparente, é fundamental para construir um conhecimento sólido sobre qualquer período histórico. Strayer oferece exatamente isso: décadas de pesquisa em arquivos europeus, análise crítica de centenas de documentos primários e uma perspectiva comparativa que enriquece enormemente nossa compreensão dos processos de formação estatal.

Que esta análise inspire você a mergulhar não apenas nesta obra específica, mas na riqueza infinita da historiografia medieval. Cada livro bem escolhido é um passo a mais na construção de uma compreensão autêntica e profunda de um dos períodos mais fascinantes e mal compreendidos da história humana.

A imagem da capa desse artigo e as demais presentes nele foram feitas por IA e são meramente decorativas, não sei se representam com precisão histórica os elementos retratados.

Perguntas e Respostas

“As Origens Medievais do Estado Moderno” é adequado para quem está começando a estudar história medieval?

Embora Strayer escreva com clareza, esta obra exige algum conhecimento prévio sobre o período medieval. Recomendamos que iniciantes leiam primeiro uma introdução geral à Idade Média (como “A Civilização Medieval” de Jacques Le Goff) antes de abordar este livro. O ideal é ter familiaridade básica com a cronologia dos séculos XI-XIV e os conceitos fundamentais do feudalismo. Para estudantes universitários de História, a obra é perfeitamente acessível e extremamente valiosa.

Qual a principal diferença entre a abordagem de Strayer e outros historiadores medievalistas?

Strayer se diferencia pela sua metodologia comparativa e pelo foco específico nas instituições administrativas. Enquanto historiadores como Marc Bloch ou Georges Duby concentraram-se mais nos aspectos sociais e culturais, e Jacques Le Goff privilegiou a história das mentalidades, Strayer analisa sistematicamente como funcionavam as estruturas de governo medieval. Sua grande inovação foi demonstrar a continuidade institucional entre o período medieval e moderno, algo que a historiografia anterior negligenciava.

O livro aborda apenas França e Inglaterra ou inclui outros reinos medievais?

Embora França e Inglaterra recebam maior atenção (por serem os casos onde Strayer teve acesso a mais documentação), a obra inclui análises significativas sobre o Sacro Império Romano-Germânico, os reinos ibéricos e referências a outros territórios europeus. O capítulo sobre o Império é particularmente interessante porque mostra por que o modelo imperial universal fracassou relativamente, enquanto os reinos territoriais tiveram mais sucesso na criação de instituições eficazes. Esta perspectiva comparativa é uma das grandes forças da obra.

Que tipo de fontes primárias Strayer utiliza para sustentar seus argumentos?

Strayer trabalha principalmente com registros administrativos dos séculos XII-XIV, incluindo os famosos Registres du Trésor des Chartes franceses, os Patent Rolls e Close Rolls ingleses, além de cartulários monásticos e episcopais. Ele também utiliza extensively fontes jurídicas (ordonnances reais, estatutos parlamentares, códigos legais regionais) e correspondência oficial entre monarcas e funcionários. O que torna sua pesquisa particularmente confiável é que ele cita sempre a localização exata dos documentos (arquivo, fundo, número) e explica claramente as limitações de cada tipo de fonte. Esta transparência metodológica permite ao leitor avaliar a solidez de cada argumento.

Como esta obra se relaciona com os debates historiográficos atuais sobre o Estado medieval?

A obra de Strayer permanece surpreendentemente atual nos debates historiográficos contemporâneos. Sua tese central sobre a continuidade medieval-moderna é amplamente aceita, embora com nuances. Historiadores atuais como Jean-Philippe Genet e Wim Blockmans desenvolveram e refinaram muitas de suas observações, particularmente sobre a burocratização medieval e os processos de state-building. O que mudou desde Strayer foi principalmente a atenção maior ao papel das cidades (que ele subestimou) e uma compreensão mais refinada da diversidade regional dos processos de formação estatal. Mas seus fundamentos metodológicos e sua tese principal continuam sendo pilares da historiografia política medieval.

O livro oferece insights relevantes para compreender a formação do Estado brasileiro?

Embora Strayer se concentre na Europa medieval, seus conceitos fundamentais sobre formação estatal são extremamente relevantes para compreender processos similares em outros contextos, incluindo o Brasil colonial e imperial. Os três elementos que ele identifica como centrais – burocratização, territorialização do poder e racionalização jurídica – podem ser observados na formação do Estado brasileiro, embora com cronologias e modalidades diferentes. Particularmente interessante é sua análise de como Estados centrais projetam poder sobre territórios extensos através de funcionários especializados, tema fundamental para entender a administração colonial portuguesa e depois a construção do Estado nacional brasileiro.

Quais obras complementares você recomendaria para aprofundar os temas abordados por Strayer?

Para aprofundar os temas de Strayer, recomendamos uma progressão temática: primeiro, “Feudalism” do próprio Strayer para compreender melhor o contexto feudal que precedeu as transformações estatais. Depois, “The King’s Two Bodies” de Ernst Kantorowicz para a dimensão teológico-política do poder medieval. Para aspectos mais específicos: “Government and Politics in the Middle Ages” de Walter Ullmann (teoria política medieval), “The Medieval State” de Rees Davies (aplicação dos conceitos de Strayer a outros contextos) e “L’État ou le Roi” de Jacques Krynen (continuação francesa dos estudos iniciados por Strayer). Para leitores brasileiros, “As Redes do Poder” de Nuno Gonçalo Monteiro oferece uma aplicação interessante desses conceitos ao mundo luso-brasileiro.